• Bem-vindo ao Your Souls - A sua Alma , O seu ser....
 

Ísis

Iniciado por Ziva75, Agosto 22, 2016, 08:23:45

Tópico anterior - Tópico seguinte

0 Membros e 1 Visitante estão a ver este tópico.

Ziva75

De permeio à noite dos tempos, mais além do alcance da memória e do esplendor construtivo de templos piramidais, os egípcios fundaram uma crença a partir da idéia da morte e da vida que se encontra mais além da vida. Sagrada e eterna, aquela visão universal dos defuntos dominou o pensamento mítico de um povo que soube olhar para o Nilo e nele contemplar o primeiro palpitar do pensamento. Sob a dupla figura da ordem delimitada por ciclos de luz e de escuridão, inundação e seca ou matéria e espírito, identificaram a existência de um equilíbrio permanente entre a flutuação e o abismo e, a partir dessas idéias, derivaram um conceito de Estado e de cultos regidos por reissacerdotes cuja autoridade absoluta, concebida em função das necessidades da agricultura, só prestava tributo às forças naturais e, muito especialmente, às deusas mães. Brota daí a fonte da transmissão do cetro faraônico pela linha feminina e a fidelidade a uma idéia religiosa da família que, durante milhares de anos e centenas de governantes distribuídos em dezenas de dinastias, reproduziu o modelo fundado pelos irmãos Ísis e Osíris, pais de Hórus, cujo mito demonstra a proeminência assumida pelo deus masculino sobre a deusa fecunda. A origem do panteão egípcio é uma das mais obscuras, porém invariavelmente está ligada ao símbolo da luz, ou Rá, consagrado desde sempre como o princípio regente e criador. Longe de apagar sua memória, o tempo deu origem a uma vasta família de deuses que, desde os dias em que somente existia o oceano, de cujo ovo proveio o Sol, cresceram e multiplicaram seus atributos a fim de prover de divindades não somente o curso dos negócios humanos, mas as
concepções mais complexas do Além, sintetizadas pelo espírito viajante do Bá.1 Solar em todos os seus aspectos, até em seu complemento, a treva, essa civilização cresce em torno de um conceito rigoroso da família que marca o poder com a imagem de rivalidades irmãs que lutam entre si até a morte, como o fizeram também os faraós até a queda final da dinastia ptolemaica às mãos dos romanos. Os gregos tomaram de empréstimo aos egípcios os elementos fundamentais de seus mitos, e foi neles que se inspirou a vertente dos mistérios na qual se abeberaram numerosos credos. Ísis em especial, inclusive até nossos dias, permaneceu como uma sombra benéfica na auscultação do saber, talvez por seus dons esotéricos, por sua zelosa missão de manter a legalidade e por seu afã protetor dos iniciados que perscrutam as raízes profundas das evoluções humanas. Únicos detentores da verdade, guardiões secretos das escrituras e das mudanças espirituais, os sacerdotes do Nilo ensinavam que, no princípio de tudo, o Sol gerou por si mesmo Geb, Shu, Tefnut e Nut, e que ao se derramar sobre os três primeiros fez com que eles erguessem os braços e elevassem sua irmã Nut até o céu para que ela empreendesse sua jornada de transmutações criativas. Geb foi a Terra que se estendeu sem demora acima do nível das águas para prodigalizar sua semente. Enquanto ela enchia seu ventre com novas vidas, Shu e Tefnut manifestaram-se na atmosfera com o vento mediador, e Nut multiplicou-se com os astros no teto celeste até formar, em conjunto, o universo adequado para abrigar a vida e a morte na precisa ordem do movimento, que vai do material ao espiritual e da passagem do espírito à concepção infinita da alma, que é recompensada segundo as sentenças da balança reguladora do bem e do mal. Céu e Terra, chamados também Nut e Geb, geraram os quatro deuses rivais, irmãos e amantes que fundaram a história política do legendário Nilo. Da complexidade passional entre Osíris, Ísis, Néftis e Set provieram as lutas do bem e do mal, a vida e a morte, a idéia de
Oriente e de Ocidente e uma rígida doutrina, inseparável do mundo visível e do mundo inferior, que veio determinar os ciclos de alianças e de perseguições que aparecem em todas as atividades divinizadas e assinaladas pelo poder. Casado com Ísis, o sábio Osíris governou sobre Busíris, cidade do Baixo Egito, até que Set, premido pela inveja e coerente com sua invariável perversidade, deu morte a seu irmão de uma forma tão brutal que, como resultado de uma conspiração, destroçou seu cadáver em catorze pedaços e ocultou-os nos lugares mais recônditos para que ninguém pudesse reuni-los a fim de devolver-lhes a vida. Depois disso, por sua vez entronizado, Set espalhou durante anos todo o mal de que era capaz e não desperdiçou lugar nem ocasião para hostilizar os domínios das duas irmãs que lhe restavam, as quais não tardaram a escapar para um lugar distante a fim de evitar maiores calamidades. O mito de Ísis floresce então com a aventura de resgatar os fragmentos de seu amado. Primeiramente, aliou-se com sua irmã Néftis para buscar e reunir os pedaços, já que, segundo as crenças dos povos do Nilo, sem corpo nem sepultura a alma do morto estava condenada a vaguear em vez de gozar do eterno repouso do mundo inferior; depois celebrou ritos amorosos com o cadáver, por intervenção de seus atributos mágicos, até reanimar a essência de sua divina fecundidade. Velada e semi-oculta à luz da lua, Ísis escavou o deserto até o fundo das areias, empenhada em reaver o corpo de Osíris. Auxiliada por Anúbis, o deus-chacal guardião dos cemitérios, reuniu as pernas, os braços, o tronco, o pescoço e a cabeça com tal minuciosidade que, ainda que se notassem os talhos pequenos e grandes entre as partes, a figura do deus surgiu quase completa ao pé de sua sepultura. Talvez porque tenha sido violentamente esquartejado, Ísis jamais encontrou o falo, o que significava que Osíris não poderia recuperar no outro mundo sua antiga fertilidade. No entanto, realizou o prodígio da gravidez de Ísis e esta deu à luz Hórus, o poderoso regente que haveria de vingar seu pai em uma feroz batalha contra as forças do mal; logo, o gérmen de Hórus assumiu a forma do falcão simbólico, que passou a ser imediatamente invocado como "o olho de Rá", porque, ao desafiar seu tio Set, este lhe arrancou um olho, que dividiu em oito pedaços. Thot encontrou apenas sete deles, que foram integrados ao grupo dos mistérios regentes que aparecem nas sepulturas, nos templos, nas muralhas e nos sinetes do alto e do baixo Egito. Através da complexa combinação de oito vezes oito, que resultava 64, número tido como emblema da perfeição, os sacerdotes cifraram um difícil guia do destino, que regulava o saber e os princípios morais nos quais se alicerçava sua religião. A propósito, pode-se recordar que também são 64 os hexagramas do I Ching, o livro chinês da sabedoria, e que oito vezes oito eqüivalia em geral tanto à expressão da experiência mundana como à pluralidade entranhada no destino. Vislumbrar o destino era precisamente um dos atributos das sacerdotisas consagradas a Ísis, as quais, assim como Isa, a pitonisa da era dos atlantes, tinham de usar véus até a altura das sobrancelhas para cobrir a cintilação que provinha de seu olhar. Ísis, por sua vez, aferrada à dignidade real que lhe outorgou seu pai Geb, confirmou que foram 72 os cúmplices do invejoso Set e que todos haviam participado conjuntamente do esquartejamento de Osíris para instaurar no delta uma ordem opositora que seguramente modificou o antigo regime tribal. Enamorada, Ísis inquiriu em vão a respeito dos pormenores do crime; juntamente com sua irmã, em vão procurou o membro perdido, chegando até o porto de Biblos, mas, condoída, teve de deixar Osíris mutilado. Seu amor, não obstante, infundiu no cadáver uma vida nova e Osíris, através de sua legendária ressurreição, abre aos homens o caminho para a sobrevivência espiritual na vida de além-túmulo. Ao se instaurar o culto de Osíris, as religiões egípcias se ampliam e dilatam graças à consciência que Ísis desperta nos homens ao expor-lhes o problema do bem e do mal. Além de seu
simbolismo solar, este mito é a origem dos princípios morais e, ao elevar-se à condição de juiz e regente do mundo destinado aos mortos, Osíris cria a primeira figura jurídica instituída em uma civilização. Inseparáveis desde remotos acontecimentos históricos, Ísis, Osíris e Hórus abandonaram seu caráter de mito agrário para se assenhorear do emblema político da família real, particularmente em torno dos governos monárquicos estabelecidos nas cidades do delta associados à descoberta e à exploração das minas de ouro. É também dessa época a invenção da escrita egípcia, a criação das artes - ambas realizações de Thot - e a versão legendária de que, no vigésimo oitavo ano de seu reinado, um certo Osíris monárquico é vítima de uma conjura comandada por Set, que o atira ao Nilo com o auxílio de 72 conspiradores. Quando Ísis encontra o cadáver, Set mutila o corpo esquartejando-o em quatorze pedaços que serão repartidos entre seus cúmplices. Reunificados por Ísis, com exceção do falo, Osíris a fecunda milagrosamente, sem intervenção da carne, e ela dá à luz Hórus, o futuro conquistador do Egito, vingador de Osíris e semente do mito que seria conservado e reproduzido nos símbolos reais de todos os faraós. Osíris, deus e juiz do Oeste, transfigurou-se, para todos os tempos, em modelo do processo da ressurreição que transita da luz solar para a luz noturna, da vida material para a vida do espírito, da temporalidade para a atemporalidade e dos cultos de fertilidade presididos pela ampla linhagem de deidades que governam a vida depois da vida para o ocultismo que alcança a cabala. Osíris, além disso, completou o poder jurídico de sua esposa Ísis, a manifestação de maior simbolismo no ritual feminino da conservação dos cetros. Misteriosa, deusa mãe e transmissora do símbolo real, Ísis esteve sempre dotada de atributos lunares. É a entidade que resguarda os acontecimentos noturnos da mesma maneira que guia o oculto do pensamento à luz, no duplo sentido de conduzir os falecidos pelos caminhos do mundo inferior e, durante o despertar da inteligência, para o mundo da claridade. É a regente dos poderes mágicos, dos quais
se valeu para ressuscitar o marido. É a mãe real e a grande maga, adorada em sua terra até a ascensão do helenismo e, nos tempos de Roma, uma das maiores divindades, conforme relatam Apuleio e Plutarco. Velada durante a celebração dos ritos, Isa foi a expressão do sacerdócio de Ísis no Templo do Sol e da Lua, que se localizava entre os pés da Esfinge.   

1. Os egípcios acreditavam que cada ser humano possuía duas almas: o Ká, ou Duplo, que acompanhava o corpo em sua tumba e vigiava sua própria múmia; e o Bá, que partia para o mundo dos espíritos, viajando na barca do Sol até comparecer perante Osíris e enfrentar o seu julgamento. [N.T.]

Fonte: Livro Mulheres, Mitos e Deusas
"Treina-te para deixares ir tudo o que mais temes perder."