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Fogueira com elas!

Iniciado por Ziva75, Junho 22, 2016, 09:16:35

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Ziva75

Bruxas, feiticeiras e outras endemoninhadas...

Milhares de supostas bruxas (e bruxos) foram torturadas e condenadas a morrer na fogueira pela Igreja e por tribunais civis, apoiados no medo e na superstição. Aconteceu numa Europa Central assolada pelas guerras religiosas e fustigada pela fome e pela doença.

De pé no pátio do castelo, um acusado de bruxaria aguarda o veredicto. O toque dos sinos é lúgubre.
"São verdadeiras as acusações?", pergunta o alcaide ao réu. Com um quase inaudível "sim", o homem admite aquilo que o obrigaram a confessar. Sabe que, se desmentir, voltará ao cárcere e será submetido a novas torturas. O cura profere um sermão sobre a bondade divina e a férrea determinação que os fiéis devem manter contra as artes de­mo­nía­cas. Depois, o escrivão lê a sentença e o preso é entregue ao carrasco. Todo o povo está presente, incluindo crianças. Após a execução, as personalidades importantes dirigem-se ao salão do castelo para o banquete, pago com os bens da vítima.

Era assim, na forca ou nas chamas purificadoras da fogueira, que a cidade helvética de Neuchâtel acabava com os seus bruxos e bruxas. A Suiça possui a duvidosa honra de ser o país com mais vítimas acusadas de bruxaria em relação à respectiva população: uma por cada 250 habitantes. Um total de 4000 pes­soas foram condenadas e assassinadas porque legisladores, juízes, políticos, curas e intelectuais consideravam que tinham estabelecido um pacto com o diabo. Comparativamente, Portugal, com uma demografia semelhante, apenas executou quatro cidadãos durante os três séculos que durou a caça às bruxas. Em termos absolutos, é a Alemanha que leva a palma, com 25 mil condenações à morte, seguida da comunidade da Polónia-Lituânia (dez mil).

No período que vai de 1450 a 1750, "a degradação esmagou a honradez, as paixões mais baixas foram camufladas com a cobertura da religião e o intelecto do homem desculpou selvajarias; a bruxaria destruiu os princípios da honra e da justiça", opina o historiador britânico Rossell Hope Robbins. Tem razão: em Inglaterra, um juiz do Supremo Tribunal fechou os olhos ao perjúrio evidente cometido por uma testemunha de acusação; na Alemanha, um magistrado, rejeitado por uma mulher a quem fizera propostas desonestas, acusou a irmã de ser bruxa, torturando-a e queimando-a na fogueira nesse mesmo dia; em Boston, uma pobre imigrante que só falava gaélico irlandês e rezava em latim morreu na forca por não saber dizer o Pai Nosso em inglês.
De curandeiros a demónios

As supostas bruxas (80 por cento das vítimas eram do sexo feminino) não eram como aquelas velhas corcundas e desdentadas que preparam poções nos contos infantis. Aos olhos de leigos e clérigos, estas damas diabólicas pertenciam a uma poderosa organização que trabalhava sem descanso para subverter a religião e pôr fim ao reino de Deus. A brutal mudança de percepção surgiu no Renascimento. Anteriormente, os bruxos faziam parte da rede social e "a feitiçaria correspondia ao desejo de dominar a Natureza em quatro aspectos principais: a saúde, o sexo, o conhecimento do futuro e a ambição económica", afirma Joseph Pérez, historiador da Universidade de Bordéus (França). Habituais no meio rural, os feiticeiros desempenhavam o papel de curandeiros, dada a escassez de médicos, e viviam da venda de poções naturais e amuletos da sorte. Sem preparação intelectual, os seus conhecimentos sobre as plantas decorriam da tradição e da experiência; eram autênticos depositários da cultura popular.

Porém, tudo isso mudou no século XV. A Europa fora arrasada pela peste negra e, em 1494, surgiu uma nova epidemia que iria atingir um milhão de cidadãos: a sífilis. Entretanto, reis e governantes mergulhavam os seus países num ciclo constante de conflitos. À Guerra dos Cem Anos (1337–1453), entre a França e a Inglaterra, seguiram-se sangrentos confrontos entre católicos e protestantes e a Guerra dos Trinta Anos, que devastou a Europa Central entre 1616 e 1648. A tudo isso é preciso somar períodos de seca e de fome, óbitos por falta de higiene, etc... Um cenário desolador para uma população dominada pelo receio de penúrias e desastres aparentemente sem explicação.

Nesse contexto, a Reforma religiosa serviu de trampolim para eliminar os vestígios de paganismo que subsistiam no meio rural e serviam de alimento à feitiçaria. Em vez de reciclar as velhas crenças, como fez o cristianismo primitivo, tanto católicos como protestantes decidiram atacá-las e declará-las uma herança de Satanás. Lutero defendeu que se queimasse os seus praticantes, e os luteranos estenderam por toda a Alemanha a caça à bruxas, enquanto o calvinismo impôs na Escócia, em 1563, a primeira lei antibruxaria.

Sinistras criaturas

Por se tratar de um conceito ideológico difícil de demonstrar, a bruxaria foi declarada crimen excepta, delito excepcional não abrangido pelas garantias processuais. Constituía uma traição a Deus e devia ser, como tal, severamente punida: "Nenhum castigo que impunhamos às bruxas, mesmo que seja assá-las e cozê-las em lume brando, será excessivo", escrevia Jean Bodin, jurista francês do século XVI. Este indivíduo demonstrou o seu fanatismo no livro Demonomania dos Bruxos (1580), no qual deixou escritas pérolas como "há que obrigar as crianças a testemunhar contra os pais", "a suspeita é suficiente fundamento para a tortura" ou "nunca se deve absolver uma pessoa depois de ter sido acusada". No seu entender, a melhor maneira de infundir temor a Deus era com "ferros ao rubro para arrancar a carne putrefacta".

Como se tivessem lido Bodin, as filhas do latifundiário inglês Robert Throckmorton destruíram para sempre a vida da família constituí­da por John e Alice Samuel e pela sua filha Agnes, seus vizinhos na povoação de Warboys. Esses monstrinhos, liderados por Jane, de dez anos, fingiam ataques de epilepsia quando Alice surgia e conseguiram convencer os juízes, com o apoio de um médico de Cambridge, de que esta lhes lançara uma maldição. As meninas acusaram igualmente a família Samuel de ser responsável pela morte de Lady Cromwell, casada com o homem mais rico de Inglaterra e conhecida dos Throckmorton. John, Alice e Agnes foram declarados culpados de assassínio por feitiçaria. O chamado "caso das bruxas de Warboys" contribuiu para impulsionar a lei de 1604 que estabelecia a pena de morte para a bruxaria.

Em França, o fenómeno esteve mais associado ao sexo. O episódio das freiras de Luoviers, na Alta Normandia, deveu-se aos excessos do capelão de um mosteiro de irmãs franciscanas da ordem terceira. Quando a jovem Madeleine Bavent ingressou, em 1623, descobriu que o pai espiritual do convento era adepto de uma heresia que defendia que se devia adorar Deus sem roupa, como Adão e Eva. "As monjas despiam-se e dançavam na sua frente. Ele obrigava-nos a dar abraços voluptuosos; testemunhei a circuncisão num falo enorme que algumas monjas agarraram em seguida para satisfazer os seus caprichos", escreveu Madeleine. Ela negava-se a participar em tais práticas, mas o cura Mathurin Picard violou-a e deixou-a grávida. As orgias prosseguiram até 1642, quando a morte de Picard desencadeou a histeria. Receosas de que tudo fosse descoberto, 14 das 52 freiras do convento começaram a fingir possessão demoníaca e acusaram Madeleine de as ter enfeitiçado. Esta foi torturada e condenada à prisão perpétua numa masmorra insalubre, onde recebia apenas pão e água de três em três dias. Em 1647, não conseguiu resistir mais e morreu na prisão.

O desfecho teria sido outro se os juízes franceses tivessem visto o que aconteceu no Convento das Beneditinas de São Plácido, em Madrid, em 1628. Entre os seus muros, o diabo ter-se-ia apoderado de 25 freiras. Todavia, o inquisidor Diego Serrano comprovou que não estavam possessas, mas eram doentes mentais: não necessitavam de exorcismos, mas de cuidados médicos. Francisco Garcia Calderón, confessor do mosteiro, foi preso por manter relações sexuais com as religiosas. "Não devemos, senhor, estar com rodeios neste assunto: não houve, nem há, outros demónios que não sejam os frades", escreveu Serrano, com lucidez, ao inquisidor-geral.

A bruxomania instalou-se durante dois séculos na mente de clérigos, juízes, governantes e filósofos, os quais sufocaram na forca e na fogueira o espírito crítico de que costumavam fazer gala. A ciência incipiente que chegava pela mão de Galileu e Newton foi substituída por uma assombrosa credulidade. Como podiam pessoas instruídas acreditar em semelhantes disparates? O magistrado papal Paulo Grillandi chegou a explicar por que motivo uma bruxa, alegadamente capaz de mudar de forma e de passar pelo buraco de uma fechadura, não podia escapar da prisão: "Já que o demónio se apoderou dela, Satanás deseja que seja executada, pois assim não poderá arrepender-se e livrar-se do demónio."


Fonte: Super Interessante
"Treina-te para deixares ir tudo o que mais temes perder."

Mestre Cruz

É verdade  ;D mas eu voltei por causa do fórum your souls  ;D

maryn

A verdade anda aí fora