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Entre os primeiros cristãos não se cultivava a veneração mariana e, no geral, não se aceitava o culto das imagens, considerado parte substancial de uma forte tradição asiática que culminou na teurgia e no costume de exercê-la acompanhada de atividades mágicas e oraculares tingidas de heresia. Nesses séculos, as deusas helênicas ainda se infiltravam na imaginação do continente europeu, e Roma não desdenhava da veneração feminina em seus templos, personificada em sacerdotisas e deusas. Esse poder remoto não se manifestava exclusivamente no fervor religioso, mas desde as crenças tribais até as comunidades organizadas foi-se estendendo à sucessão monárquica - como no Egito ancestral e faraônico - ou foi refletido nas sociedades que, em sua etapa constitutiva, respeitavam a potência criadora como o eixo de estabilidade, temor ou harmonia, ainda que a voz feminina não ascendesse diretamente à agora, ao direito à propriedade nem às tribunas públicas. Com o predomínio da palavra de Cristo no centro da religiosidade imperial, essa presença seria deposta por um patriarcado tão vigoroso que, a partir dos séculos V ou VI de nossa era e até a ascensão do feminismo contemporâneo, apagou da história tanto a presença como a simbologia relacionada às mulheres. No lugar de Ísis enigmáticas, de Afrodites ou Vênus sensuais, de uma Hera ciumenta e perseguidora do Zeus eternamente infiel, da Juno apaixonada, da Deméter fecunda ou da noturna Perséfone, o dogmatismo interpôs a Mãe de Deus Filho, esposa do Espírito Santo e filha tardia de São Joaquim e Santa Ana, como marco absoluto de graça e
pureza perfeitas, ainda que tivesse experimentado em seu mistério sagrado e elevado a dogma de fé, a concepção, a gravidez e o parto daquele que seria o Redentor de nossos pecados. O evento que espelhou os embates doutrinários daquela era agitada tramada de política, militarismo, superstição e doutrina ainda incipiente, teve lugar na cidade de Éfeso (que fora sede do antigo culto à casta Diana), onde se realizou no ano de 431 de nossa era o concilio que debateu a maior controvérsia religiosa sobre os dogmas fundamentais da Igreja Católica: o da Santíssima Trindade e o da virgindade e assunção de Maria - que tantas e tão prolongadas desavenças suscitaram entre os primeiros patriarcas, a começar pelo centro episcopal presidido por Cirilo de Alexandria, ferrenho defensor da infalibilidade do credo apostólico. A partir de Éfeso Maria foi proclamada, em grego, Theotokos, conseqüência do memorável concilio que a consagrou desde então como Mãe de Deus. Mais que registrar um evento litúrgico, por meio daquela conquista espiritual a história sintetizou uma variada devoção feminina que, desde o legendário Mediterrâneo até os confins do Ocidente europeu, se transformou na glorificação de uma maternidade prodigiosa, modelo de humildade universal e de obediência à mensagem divina, que atravessou a cristandade católica sob a insígnia da Imaculada Conceição de Maria. Confrontada com uma seleta população de deusas, ninfas, sacerdotisas, pitonisas governantes e figuras trágicas, essa delicada adolescente, como quase sempre é representada, no mínimo nos desconcerta, porque contrasta com séculos e até milênios de participação feminina apaixonada em um mundo no qual não se imaginavam a vida, os mitos, a criatividade e nem mesmo a morte sem a presença direta de mulheres ou deusas. Delas a Virgem Maria herdou culturalmente a função única de intermediária entre os crentes e a bondade divina; porém, os demais atributos foram excluídos por uma civilização monoteísta que se atreveu a negar radicalmente a completude feminina, incluídas aí também suas veleidades. Daí a dupla importância,
social e religiosa, desse arquétipo por excelência da vida terrenal incorrupta, em cuja passagem pela Terra, até o ponto em que sabemos pelo favor da fé, entregou-se à missão de consagrar a mais perfeita obra purificadora por uma humanidade castigada pelo pecado original desde a queda ancestral de Eva. Tudo indica que, a partir do século V, marcado pelo fortalecimento doutrinário e teológico da patrística e pela aceitação de relíquias e ritos litúrgicos até então considerados pagãos, proliferaram tanto as linguagens adjetivadas nas orações, para acentuar o impulso do sagrado, como o fluxo de prodígios, de objetos santos e um sem-número de metáforas e lendas que não tinham outra finalidade que a consolidação do Evangelho entre os herdeiros do helenismo e da cultura da Roma imperial, que já declinava em favor de uma Idade Média pujante e diversa que concentrou seu trabalho espiritual em torno do dogma da Santíssima Trindade, que entranha o mistério das três pessoas distintas que subsistem em uma mesma natureza divina: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Apagadas pelo poder do manto mariano e diminuída a função moral que haviam desempenhado em sua hora e em sua época, ficaram para trás - talvez para sempre - as sombras trágicas de Jocasta, Electra, Medéia, Antígona, Cassandra ou Clitemnestra; em seu lugar, passou-se a louvar uma maternidade universal e piedosa que, em seu caráter humano, era filha de homem e mulher; porém, em seu enlace divino, exaltava sua unicidade como mãe de Deus concebido por obra do Espírito Santo. Assim cumpriram seu curso rumo ao esquecimento os nomes daquelas mulheres que, da Babilônia ao Olimpo e do Nilo às mais altas conquistas gregas, se mantiveram durante tempos imemoriais como símbolos preciosos dos desígnios e dos desafios entre deuses e humanos. Centenas, talvez milhares de protagonistas de credos e costumes passados foram substituídas por uma figura frágil e sutil que, sempre imóvel, alheia à agitação, à vitalidade, ao descomedimento e aos namoros legendários que nutriram a mitologia e a tragédia, representava a graça por excelência, o rosto da sabedoria, o silêncio e,
acima de tudo, a misericórdia suprema. Quanto mais se consagrava a pureza de Maria, mais se expandiam os muitos títulos dos quais era credora; e quanto mais se multiplicavam as associações bíblicas - que os patriarcas enalteciam com discussões de fé -, maior o confinamento das mulheres da Antigüidade aos limites da erudição medieval ou ao mundo do mito e da poesia. Em seu excelente prólogo a nova edição do Zodíaco Mariano, o historiador mexicano Antonio Rubial Garcia nos recorda que Míriam - seu nome original, talvez tomado da irmã de Moisés, e que significa graciosa ou bela - inspirou numerosas interpretações no melhor da arte religiosa, além de um universo inacabado que abarca um sem-fim de milagres atribuídos à sua intercessão e outras polêmicas determinadoras de cismas e fraturas teológicas entre cristãos e não-cristãos. Talvez como um vestígio daquela Ísis tida como estrela-guia dos marinheiros, São Jerônimo associou-a à estrela-do-mar; São Isidoro definiu-a como iluminatrix, ou a iluminadora; São Pedro Diácono como mediadora de todas as graças, enquanto Santo Anselmo se referia a ela como soberana do mar. A lista de metáforas, a partir de então, é incontável, e algumas vezes insólita, como se pode observar na ladainha do santo rosário, em que abundam alusões como casa de ouro, porta do céu, poço de água viva, trono da eterna sabedoria... Frases que, no fim das contas, encerram a tendência a evitar uma linguagem precisa, até mesmo nos textos teológicos; por outro lado, abusam dos adjetivos, sobretudo quando se trata de temas marianos talvez porque, ao exaltar qualidades, acabam alimentando a fé mais pela senda da intuição que pela via do racionalismo. Muito pouco se sabe sobre a vida de Maria no mundo. Para além das referências pontuais do Novo Testamento, a mãe de Jesus Cristo está rodeada por um halo de mistério; um mistério que, longe de se desvelar por meios históricos, torna-a cada vez mais confusa devido ao dogma de fé que diviniza sua concepção imaculada e, com os séculos, perfila-a como objeto de reverência preferido na Espanha, onde se contam hoje mais de 22 mil invocações diferentes para lhe render
culto. É certo que, desde tempos imemoriais, as relíquias e o culto às imagens pintadas ou entalhadas constituem um dos suportes mais firmes da religiosidade, Índia, Egito, Grécia e Roma, entre outros exemplos culturais importantes, contribuíram para desenvolver o gosto popular por figuras que pudessem absorver a ânsia de espiritualidade demandada pelo humano e o impulso para o sagrado, que quase invariavelmente antecede os credos estabelecidos. Se examinarmos os documentos históricos referentes à imagem de Maria, custa acreditar na grande difusão de sua figura durante a época medieval, apesar da cerrada oposição às imagens que dominava a mentalidade dos primeiros cristãos. E ainda que tenha sido lenta a instauração do costume devocional mariano, pode-se dizer que, a partir do século XII europeu e até nossos dias, tornou-se incontestável a certeza de que a piedade de Maria complementa a obra redentora de Jesus Cristo na Terra. O episódio da Anunciação, citado por Lucas, é a primeira referência bíblica a Maria e está precedido pela revelação a Zacarias sobre o nascimento de João, o que garante, desde antes de suas respectivas concepções, os vínculos cifrados entre o Batista e Jesus. Belo e dotado da magia oriental que no passado não estabelecia as fronteiras que hoje interpomos entre o natural e o sobrenatural, o relato acentua com clareza o caráter portentoso de um evento do qual derivaria a doutrina da redenção que distingue o cristianismo. Disse Lucas que, no tempo do reinado de Herodes, seis meses depois da mensagem divina enviada a Zacarias de que, apesar da prolongada esterilidade, sua esposa Isabel conceberia um filho santo, o arcanjo Gabriel foi enviado pelo Senhor a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, para dizer à prometida de José, uma donzela de nome Maria, que devia se alegrar porque era ela a agraciada para conceber e dar à luz um filho que seria grande, Filho do Altíssimo, que sob o nome de Jesus reinaria para sempre na casa de Jacó. Mais espantada pela gravidez virtual do que com a visita do anjo,
ela indagou como seria isso possível, já que não conhecia varão. Logo a seguir, ao saber que o poder do Espírito Santo baixaria sobre ela e a força do Altíssimo a cobriria com sua sombra, Maria, diante do prodígio daquela manifestação, entendeu plenamente por que aquele que iria nascer de seu ventre seria chamado Consagrado, Filho de Deus. - Tens aí tua parenta, Isabel - acrescentou Gabriel, confirmando que, para Deus, nada é impossível -, que apesar da idade avançada concebeu um filho, sendo esteja o sexto mês para aquela que diziam estéril. Humilde, obediente ao ditame supremo, a jovem não perguntou mais. Não exigiu explicações, e antes que o anjo a deixasse, com a docilidade que durante séculos serviu como exemplo de submissão religiosa, respondeu o que, em nossa cultura cristã, representa o acatamento por excelência a um destino consagrado ao bem e ao serviço divino: - Eis aqui a serva do Senhor. Cumpra-se em mim segundo a tua palavra. Dias depois, imbuída de uma emoção que ultrapassava seu entendimento, Maria se encaminhou pela serra da província da Judéia até a casa de Zacarias, para permanecer ali por uns três meses, talvez até o nascimento de João Batista, que seria primo de Jesus. Ao vê-la, a criança que Isabel levava no ventre deu um salto e, cheia do Espírito Santo, a mãe saudou a jovem recém-chegada com a frase que, doze séculos mais tarde, iniciaria a Ave Maria, célebre oração cuja segunda parte somente lhe seria acrescentada no século XVI: - Deus te salve, Maria... Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto de teu ventre! - e acrescentou depois: - Quem sou eu para que me venha visitar a mãe do meu Senhor? Pois logo que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu ventre. Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas! Então, como se entre elas existisse um diálogo ou um pacto secreto, selado por suas mútuas revelações, disse Maria a Isabel:
- Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua humilde serva. Por isso, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações porque o Poderoso realizou em mim maravilhas. Seu nome é Santo, e sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. A partir desse encontro entre as duas mulheres e até a natividade de Jesus, a memória dos evangelistas não registrou qualquer outro dado esclarecedor da biografia de Maria, tampouco da de Isabel. Com o decorrer do tempo, na Síria, provavelmente depois do Concilio de Éfeso no século V, quando a mariologia começou a ser difundida e o mundo cristão se cobriu de lendas e de inumeráveis relíquias que inauguraram o grande mercado de objetos de culto que logo se transformou em fonte inesgotável de lucro, multiplicaram-se as preces obrigatórias ao lado de retratos e dos supostos lugares onde a sagrada família teria deixado suas pegadas. Surgidos do nada, apareceram uma suposta aliança de casamento, retalhos de um manto que teria pertencido à Virgem, esta ou aquela túnica que ela havia usado em sua peregrinação durante a chamada fuga para o Egito, a cinta, uma eventual camisa e até gotas de leite, todos objetos venerados pelos fiéis com a certeza de serem milagrosos, ostentados tanto nos altares públicos como nos recintos privados e dos quais, no devido tempo, viriam a se abastecer os grandes depósitos vaticanos e templários. Amplamente citada e enriquecida por toda sorte de complementos artísticos que, em especial durante a Renascença, serviriam de motivo às obras-primas da pintura e da escultura, a história de Maria inaugura um capítulo paralelo na iconografia interpretativa, tanto em relação à natividade quanto à adoração dos magos, à fuga para o Egito em companhia de José, ao menino ameaçado pela mão de Herodes e à cena da multiplicação do vinho durante as bodas de Canaã, além, naturalmente, de sua dor ao pé da cruz e sua ascensão em corpo e alma aos céus depois da ressurreição de Jesus Cristo. Na Europa, a Igreja reconheceu oficialmente a veneração a Maria
ainda na época paleocristã e visigoda. Porém, por causas até agora inexplicáveis, seria a península ibérica o território mais inclinado à sua devoção. Ali, uma após outra e com particular recorrência a partir do século XII, em pleno conflito religioso entre mouros e cristãos, registraram-se portentosas aparições marianas que motivaram a construção de santuários para abrigar milhares de devotos que peregrinavam desde os pontos mais remotos; durante aquele milenarismo entrelaçado de religiosidade e temor do fim dos tempos, guerras santas - particularmente as célebres cruzadas à Terra Santa - intercalavam-se com movimentos messiânicos e com a criação de conventos, nos quais se confinou uma multidão de mulheres para assumirem desde o claustro a condição de esposas de Cristo, a quem consagravam sua virgindade e seu isolamento do mundo. Faziam-no, inclusive, como forma de firmar a cristandade em povos decididamente inclinados a conformar a moral cristã aos princípios doutrinários daquilo que, em poucos séculos, se converteria na espiritualidade inseparável do movimento humanista. As práticas devocionais em torno da figura mariana disseminaram-se até se transformar em costume inseparável do temor ao pecado e da luta contra o demônio. Dentro e fora dos conventos, a religiosidade despertou uma nova maneira de ser, pautada pela tutela da Virgem Santíssima e pelas orações a ela dirigidas. Data do século XIII a consagração do mês de maio a Maria; do século XII, as preces cotidianas que incluem a saudação feita pelo anjo a Maria, ou Ângelus, que originariam ente era rezado à meia-noite na esperança de se receber indulgências pelo sacrifício. A proliferação de hinos de clara influência oriental inspirou o Salve Regina, composto pelo bispo Ademar de Monteil nos primeiros anos do século XII, e, sucessivamente foram-se agregando preces e poemas, como o Gaude, que seriam o tronco de centenas de ladainhas, rezas das horas canônicas, novenas e ofícios que, em seu conjunto, integram o que se reconhece como mariologia ou devocionário mariano. De todos os mistérios que cercam o cristianismo, um dos
maiores se relaciona, sem dúvida, com a maternidade da Virgem Maria, desposada por José depois de dar à luz virginalmente a criança divina. Se, pelo poder da fé, aceitamos sua virgindade perpétua conforme ditada pelo dogma, permanece, contudo, o enigma de como sua devoção se transformou em marco da unificação espanhola depois da vitória dos cristãos sobre o Islã. Nesse sentido, Antonio Rubial Garcia recorda que, durante o ciclo da Reconquista, a Virgem foi associada aos comandantes no campo de batalha, e que santos como Tiago ou Miguel atuavam na linha de frente, lançando terra e poeira nos olhos dos inimigos. Nossa Senhora das Vitórias, a Virgem das Mercês, a de Covadonga, a Dolorosa, a do Carmo, de Aranzazú, da Solidão ou a de Guadalupe em Extremadura são invocações remotas e inseparáveis da dupla conquista cristã: da Espanha, primeiro, e depois da América; nesta última, o culto mariano arraigou-se de tal maneira que, desde a etapa da evangelização, no século XVI, criaria por si mesma uma defensora própria que personifica, em Nossa Senhora de Guadalupe, o signo de uma piedade que já perdura há cinco séculos. Atribuído a São Francisco de Assis, o costume de representar o nascimento acompanhado da adoração dos magos e da fuga da sagrada família para o Egito durante a perseguição de Herodes teve em nossas terras uma poderosa ação evangelizadora. De fato, mais que a Anunciação e ainda mais que a Assunção de Maria, essas imagens se integraram à cultura mestiça antes e com muito mais força que a ortodoxia. E isso é o que mais fascina em uma história religiosa que, pelo menos no que concerne ao México, não se pode separar do duplo significado que a piedade de Nossa Senhora representa na devoção popular e na proliferação de um monoteísmo que somente pôde se assentar no Novo Mundo graças ã assimilação das qualidades marianas. Comovente até sua elevação aos céus em corpo e alma, a história de Maria alcança seus pontos culminantes em três eventos transcendentais para a Cristandade: a Anunciação, a crucificação de
Jesus Cristo e a Assunção. Como mãe, ela não somente era o centro da família, mas se converteu no centro espiritual em torno do qual convergiam os apóstolos, precisamente por ser a mãe do Messias; não obstante, Maria, contida em seu peculiar silêncio, não representou nenhuma forma de autoridade equivalente àquela que, em sua época, exercera a sacerdotisa Miriam, irmã de Moisés e de Aarão, que entoou um cântico entusiasta e profético sobre a derrota dos egípcios; tampouco refletiu a autoridade mais dinâmica de uma Débora, que, nos momentos de maior prostração religiosa e patriótica, exerceu nas montanhas de Efraim o ofício de juíza de Israel e que, por meio de suas proclamações de conjuro, dirigiu vitoriosamente a batalha contra Sísara. Última figura feminina a se sobressair no Antigo e no Novo Testamentos, Maria consumou a tradição de mulheres orientais cuja poderosa personalidade determinou transformações reveladoras da influência que então exerciam sobre seu ambiente tribal. O mundo cristão concentrou sua devoção no princípio da unicidade, que veio a apagar da consciência cultural e religiosa uma lista de conquistas que desapareceram dos costumes sociais a partir da presença da Mãe de Jesus e de sua peculiar entronização como ser eleito pela divindade para engendrar ao Redentor de nossos pecados. Cabe indagar, todavia, o que aconteceu com suas grandes antecessoras que floresceram séculos antes, como Hulda, uma profetisa da altura dos grandes profetas da Antiga Aliança, a quem consultou o rei Josias; ou a memorável Judite, que livrou sua cidade natal e toda a Palestina dos inimigos; e Ester, a mais valente de todas, aquela que, proclamando "se tiver de morrer, morrerei", decidiu o destino de sua gente. Salvo essas remotas sacerdotisas, a mulher oriental e, particularmente, a de Israel esteve excluída de todos os ministérios do culto; mas compartilhavam com os homens certas celebrações, deveres relacionados com a conduta e pequenos rituais que confirmavam suas funções familiares, geralmente à sombra da vida social e jurídica. Tanto nos Atos dos Apóstolos como nas referências biográficas de
Jesus relacionadas com as mulheres confirma-se que, exceto pelas pecadoras, enfermas e algumas discípulas às quais se manifesta o Nazareno, a feminilidade não foi digna de expressão para ingressar na história, ainda que, segundo a cristandade, a mulher seja uma pessoa perante Deus, tal qual o homem e, portanto, igualmente merecedora de sua ação salvadora e de sua misericórdia.

Fonte: Mulheres, Mitos e Deusas
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