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Padroeira dos religiosos mercedários, assim como da cidade e da diocese de Barcelona desde o século XIII, Nossa Senhora das Mercês é abonada por uma dupla lenda que a vincula à ascensão imperial da Espanha em pleno combate entre mouros e cristãos e, posteriormente, à obra missionária que se haveria de empreender no Novo Mundo como consequência do primeiro desembarque de Cristóvão Colombo, cuja empresa exitosa permitiu-lhe retornar à Espanha carregado de notícias e maravilhas que lhe valeram o crédito real e novos apoios para persistir em suas travessias. Segundo relatos antigos, o culto a Nossa Senhora das Mercês surgiu quando, ao anoitecer de 9 de agosto de 1218, ela apareceu simultaneamente ao rei Jaime I de Aragão, conhecido como el Conquistador, a seu confessor, São Raimundo de Peñafort; e ao implacável São Pedro Nolasco, a fim de lhes pedir que instituíssem conjuntamente uma ordem religiosa e militar destinada a libertar os cristãos que se achassem em poder dos muçulmanos. Obediente ao mandato, no dia seguinte o monarca decretou em Barcelona o estabelecimento da Ordem dos Cavaleiros das Mercês e, guardada pela proteção da Virgem Maria, a cidade recebeu desde então uma venerada padroeira. Os cavaleiros levavam em seus pendões a insígnia mercedária, e era seu escudo a cruz que ainda ostentam seus sucessores. Medieval em seu aspecto e na arte de sua feitura alongada, a
Virgem das Mercês é uma das poucas imagens sentadas, tão caras aos cristãos espanhóis e tão pouco vistas na América, onde, desde sua introdução no México, passou a ser representada de pé. Pintada com refinamento, esta é uma das figuras marianas de maior beleza, não somente por seu talhe esmerado como por sua força expressiva e pela harmonia de suas cores. Carrega o Menino Jesus no braço esquerdo, e na mão direita exibe o emblema vermelho e branco distintivo da ordem. Quanto ao Menino Jesus, sustenta o mundo da Cristandade em uma das mãos enquanto acaricia sua mãe com a outra, contemplando-a como se lhe rogasse piedade. Sua rica coroa, digna criação do rei que a tributou com devoção singular, recorda o culto de uma Idade Média que reconheceu nesse objeto o símbolo do mais alto poder, um símbolo que perdura até nossos dias para significar a potência absoluta que sempre foi cobiçada pelas monarquias e que acentuou a majestade da Mãe de Deus sobre os domínios humanos. Para os mercedários, 10 de agosto sempre foi considerada a data comemorativa de sua fundação religiosa, até que o papa Inocêncio XII, já no século XVII, estendeu-a a toda a Cristandade para que seu culto se difundisse e para que a Virgem das Mercês também fosse venerada na América. Não deixa de assombrar que, na missa correspondente a esse dia, as rogativas tenham sido extraídas do Cântico dos Cânticos, em uma versão que transgredia seu sentido original. Até recentemente, na década de 1960, os missais ainda designavam-na "lírio dos vales e flor dos campos" durante a epístola, e no gradual e no aleluia lhe eram dedicadas frases como "sustentai-me com flores, confortai-me com maçãs, porque desfaleço de amor". E logo a seguir: "Tu és a porta do Grande Rei, a câmara fulgurante de luz...", versos que, por corresponderem ao mais belo canto de amor da Antigüidade, tornam-se desconcertantes por ser invocados como preces durante a devoção mariana. As modificações pós-conciliares transferiram sua festa para 24 de setembro, e na oração designada para esse dia costuma-se rogar, "pelos méritos e súplicas de Maria", pela libertação de todos os nossos pecados
e da servidão do demônio. O contraditório do culto a Nossa Senhora das Mercês na América é que, opostamente a seu princípio de agir em prol do livramento dos cristãos da escravidão dos mouros, aqui os espanhóis, com uma mão, escravizavam impunemente os nativos; com a outra, os submetiam a seu credo monoteísta e dotava-os, ainda, de imagens e de templos para que reclamassem por piedade e encontrassem um reduto de misericórdia. Inseparável do símbolo fundador do Novo Mundo, a tradição aponta que Cristóvão Colombo erigiu uma cruz ante os aborígenes ao desembarcar pela primeira vez neste hemisfério, em 1492. Em seu regresso à Espanha, a rainha Isabel I de Castela recompensou-o com uma réplica da imagem original de Nossa Senhora das Mercês, tal como aparecera ao antecessor de Fernando de Aragão, seu marido, como um ato que, seguramente, simbolizava a união imperial dos reinos de Castela e de Aragão diante do descobrimento da América. De fato, o primeiro santuário cristão nestas terras corresponde ao erigido a Nossa Senhora das Mercês em 1505, no alto do Santo Cerro, onde é hoje a República Dominicana. Segundo a bicentenária História do frei mercedário Luís de Cisneros, o culto mexicano a Nossa Senhora das Mercês data de 1595, ano em que o frei Francisco de Vera, bispo de Perpignan, fundou o convento e a igreja que levam seu nome, bem como o bairro que existe até hoje na Cidade do México. A imagem, uma réplica esculturada do original de Aragão, traz a seus pés as figuras de muitos cativos inspirados por sua piedade; trata-se de uma talha muito perfeita trazida da Guatemala, e da qual existiam então duas cópias idênticas no convento daquela cidade, na época parte da Nova Espanha. Cisneros escreveu que a gravidade de seu rosto um pouco moreno inspirava pavor, e que da madeira na qual estava esculpida exalava um aroma muito intenso. Era a jóia preciosa do reino, intercessora frente a terremotos e tempestades, freqüentes naquela região; acreditou-se inclusive que, em vez de ter sido trazida, a imagem veio sozinha até a Cidade do México, porque foram tantos e tão difíceis
os obstáculos transpostos para poder tirá-la da Guatemala que, a não ser por sua sagrada vontade, jamais os frades teriam podido triunfar sobre a resistência local. Ciente da batalha que teria de travar contra a oposição dos indígenas e dos próprios sacerdotes, frei Francisco de Vera colocou a imagem da Virgem dentro de uma arca de couro e fê-la retirar à meianoite do convento da Guatemala, nos ombros de índios que ignoravam o conteúdo daquela embalagem. Ao darem por essa falta, os sacerdotes saíram em seu encalço; mas não encontraram a estátua, até porque lhes pareceu demasiada irreverência revistar os muitos utensílios com que viajava o sagaz vigário. Mas isso não impediu que travassem acirrada discussão, e muito pouco faltou para que apedrejassem o obstinado frade que, em sua defesa, mostrou aos mercedários guatemaltecos que reclamavam a devolução de sua imagem uma inscrição gravada na arca agora vazia que rezava: "A quem te guiar ao México, Deus o guie". Ao narrar o acontecimento, frei Luís de Cisneros recordou que, seis meses depois daquela escabrosa saída da Guatemala, ninguém podia dizer como nem quem havia trazido a sagrada imagem de Nossa Senhora das Mercês para o convento do México, já que, sem pagamento algum aos carregadores e por uma via diferente daquela tomada por Francisco de Vera, ela apareceu às portas dos mercedários daqui em 1596. "A imagem estava tão bem tratada e tão formosa" - acrescentou -, "como se não tivesse caminhado trezentas léguas." Os nativos que a trouxeram vinham da localidade de Cuitláhuac e garantiram que eram apenas mensageiros de outros índios, que lhes haviam pedido que levassem a imagem até o México sem lhes deixar qualquer outra mensagem. Cisneros considerou o acontecimento milagroso, uma vez que os caminhos eram cheios de perigos. Ao longo da rota, quando não topavam locais despovoados, encontravam sítios habitados por uma única família, o que impossibilitava a substituição dos oito tamemes1 que transportavam a carga. Além disso, os guias e os índios de confiança eram escassos. A Virgem, porém, encontrava hospedagem e
passagem, mesmo sozinha e sem vigilância sacerdotal. Tão logo surgiu presidindo seu o convento das Mercês, organizou-se para ela uma solene receção no México. Grande parte da cidade acudiu para o lugar carregada de oferendas. Presentearam-lhe numerosas joias e sua coroa de ouro; ao Menino ofereceram inumeráveis lamparinas e outras prendas. Assim, desde que foi entronizada multiplicaram-se de tal forma as esmolas, as heranças e os portentos que, passados poucos anos, a devoção havia aumentado para oitenta o número de frades conventuais, cujos gastos elevavam-se frequentemente a mais de 20 mil pesos. Essa despesa era tão sobejamente coberta por sua sagrada padroeira que foi possível ampliar o suntuoso santuário para que os fiéis acudissem a ela em busca de bens que nunca lhes eram negados. E é nisso que se baseia sua originalidade, em servir como laço de união entre a ascensão da Espanha imperial, o descobrimento da América e o início da evangelização da Nova Espanha. De fato, o bairro que ainda traz seu nome na Cidade do México esteve desde sempre associado à abastança. Seu convento é considerado uma das mais belas joias arquitetônicas da cultura colonial mexicana, enquanto a Ordem dos Mercedários multiplicou-se em obras e diligências formativas, vinculadas ao símbolo de piedade representado por sua protetora. A partir da cidade espanhola de Bérriz e ao longo do século XX, graças à obra missionária da madre Margarita Maria de la Luz de Maturana, a ordem feminina das mercedárias se expandiu para os Estados Unidos, México, Nicarágua, Guatemala, Equador, Peru e Bolívia. Também levou sua obra educativa para outros continentes, chegando ao Japão, às ilhas de Guam, de Palau, de Taiwan, Marianas, Carolinas e ao Zaire, na África. Essa escola missionária teve origem no ministério da clausura, em 1920. Existem hoje seiscentas mercedárias em missão, repartidas por todo o mundo em 22 sedes missionárias, diversificadas em seus aspectos de evangelização, beneficência e ensino. Os mercedários agregam às suas tarefas o cuidado espiritual dos prisioneiros.
                           

1 Carregador índio que acompanhava os viajantes (Honduras e México). O antropólogo e historiador mexicano Miguel León-Portilla descreve o tameme como "carregador treinado desde a infância, procedente da classe dos macehuales [ver Nota 5, p. 314], dedicado exclusivamente ao transporte de mercadorias na cultura asteca". [N.T.] 


Fonte: Mulheres, Mitos e Deusas
"Treina-te para deixares ir tudo o que mais temes perder."